Funções em C
Entendendo as funções em C do ponto de vista do Assembly.
A linguagem C tem algumas variações à respeito de funções e o objetivo deste tópico é explicar, do ponto de vista do baixo-nível, como elas funcionam.
Entendendo os protótipos
As funções na linguagem C têm protótipos que servem como uma "assinatura" indicando quais parâmetros a função recebe e qual tipo de valor ela retorna. Um exemplo:
Esse protótipo já nos dá todas as informações necessárias que saibamos como fazer a chamada da função e como obter seu valor de retorno, desde que nós conheçamos a convenção de chamada utilizada. Os parâmetros são considerados da esquerda para a direita, logo o parâmetro x
é o primeiro e o parâmetro y
é o segundo. Na convenção de chamada da SysV ABI esses argumentos estariam em EDI e ESI, respectivamente. E o retorno seria feito em EAX.
Existem alguns protótipos um pouco diferentes que vale explicar aqui para deixar claro seu entendimento. Como este:
De acordo com a especificação do C11 uma expressão do tipo void
é um tipo cujo o valor não existe e deve ser ignorado. Funções assim são compiladas retornando sem se preocupar em modificar o valor de RAX (ou qualquer outro registrador que poderia ser usado para retornar um valor) e portanto não se deve esperar que o valor nesse registrador tenha alguma informação útil.
Quando void
é usado no lugar da lista de parâmetros ele tem o significado especial de indicar que aquela função não recebe parâmetro algum ao ser chamada.
Embora possa ser facilmente confundido com o caso acima, onde se usa void
na lista de parâmetros, na verdade esse protótipo de função não diz que a função não recebe parâmetros. Na verdade esse é um protótipo que não especifica quais tipos ou quantos parâmetros a função recebe, logo o compilador aceita que a função seja chamada passando qualquer tipo e qualquer quantidade de parâmetros, inclusive sem parâmetro algum também. Veja o exemplo:
Na convenção de chamada da SysV ABI os argumentos para esse tipo de função são passados da mesma maneira que uma chamada com o protótipo "normal". A única diferença é que a função recebe um argumento extra no registrador AL indicando quantos registradores de vetor foram utilizados para passar argumentos de ponto-flutuante. Nesse exemplo apenas um argumento era um float e por isso há a instrução movl $1, %eax
indicando esse número. Experimente usar mais argumentos float ou não passar nenhum para ver se o número passado em AL como argumento irá mudar de acordo.
Funções com argumentos variáveis também seguem a mesma regra de chamada do que foi mencionado acima.
Funções static
Funções static são visíveis apenas no mesmo módulo em que elas foram declaradas, ou seja, seu símbolo não é exportado. Exemplo:
Function specifiers
Existem dois especificadores de função no C11, onde eles são:
inline
O especificador inline
é uma sugestão para que a chamada para a função seja a mais rápida possível. Isso tem o efeito colateral no GCC de inibir a geração de código para a função em Assembly. Ao invés disso as instruções da função são geradas no local onde ela foi chamada, e portanto o símbolo da função nunca é de fato declarado.
O GCC, mesmo para uma função inline, ainda vai gerar o código para a chamada da função caso as otimizações estejam desligadas e isso vai acabar produzindo um erro de referência por parte do linker. Lembre-se de sempre ligar as otimizações de código quando estiver usando funções inline.
_Noreturn
Funções com o especificador _Noreturn
nunca devem retornar para a função chamadora. Quando esse especificador é utilizado o compilador irá gerar código assumindo que a função nunca retorna. Como podemos ver no exemplo abaixo compilado com -O2
:
Funções aninhadas
Nested functions é uma extensão do GCC que permite declarar funções aninhadas. O símbolo de uma função aninhada é gerado de maneira semelhante ao símbolo de uma variável local com storage-class static
. Exemplo:
Atributos de função
Os atributos de função é uma extensão do GCC que permite modificar algumas propriedades relacionadas à uma função. Se define atributos para uma função usando a palavra-chave __attribute__
e entre dois parênteses uma lista de atributos separado por vírgula. Exemplo:
Alguns atributos recebem parâmetros onde estes devem ser adicionados dentro de mais um par de parênteses, se assemelhando a sintaxe de uma chamada de função. Exemplo: __attribute__((section (".another"), cdecl))
.
Abaixo alguns atributos que podem ser usados na arquitetura x86 e acho interessante citar aqui:
ms_abi, sysv_abi, cdecl, stdcall, fastcall, thiscall
Esses atributos fazem com que o compilador gere o código da função usando a convenção de chamada ms_abi, sysv_abi, cdecl, stdcall, fastcall ou thiscall respectivamente. Também é útil usá-los em protótipos de funções onde a função utiliza uma convenção de chamada diferente da padrão.
Os atributos cdecl
, stdcall
, fastcall
e thiscall
são ignorados em 64-bit.
section ("name")
Por padrão o GCC irá adicionar o código das funções na seção .text
, porém é possível usar o atributo section
para que o compilador adicione o código da função em outra seção. Como no exemplo abaixo:
naked
O atributo naked
é usado para desativar a geração do prólogo e epílogo para a função. Isso é útil para se escrever funções usando inline Assembly dentro das mesmas.
target ("option1", "option2", ...)
Esse atributo serve para personalizar a geração de código do compilador para uma função específica, permitindo selecionar quais instruções serão utilizadas ao gerar o código. Também é possível adicionar o prefixo no-
para desabilitar alguma tecnologia e impedir que o compilador gere código para ela. Por exemplo __attribute__((target ("no-sse"))
desativaria o uso de instruções ou registradores SSE na função.
Alguns dos possíveis alvos para arquitetura x86 são:
Ativar as instruções | Desativar as instruções |
3dnow | no-3dnow |
3dnowa | no-3dnowa |
abm | no-abm |
adx | no-adx |
aes | no-aes |
avx | no-avx |
avx2 | no-avx2 |
avx5124fmaps | no-avx5124fmaps |
avx5124vnniw | no-avx5124vnniw |
avx512bitalg | no-avx512bitalg |
avx512bw | no-avx512bw |
avx512cd | no-avx512cd |
avx512dq | no-avx512dq |
avx512er | no-avx512er |
avx512f | no-avx512f |
avx512ifma | no-avx512ifma |
avx512pf | no-avx512pf |
avx512vbmi | no-avx512vbmi |
avx512vbmi2 | no-avx512vbmi2 |
avx512vl | no-avx512vl |
avx512vnni | no-avx512vnni |
avx512vpopcntdq | no-avx512vpopcntdq |
mmx | no-mmx |
sse | no-sse |
sse2 | no-sse2 |
sse3 | no-sse3 |
sse4 | no-sse4 |
sse4.1 | no-sse4.1 |
sse4.2 | no-sse4.2 |
sse4a | no-sse4a |
ssse3 | no-ssse3 |
PLT e GOT
Já vimos alguns exemplos de código chamando funções da libc, essas funções porém estão em uma biblioteca dinâmica e não dentro do executável. A resolução do endereço (symbol binding) das funções na biblioteca é feito em tempo de execução onde os endereços são salvos na seção GOT (Global Offset Table).
A seção PLT (Procedure Linkage Table) simplesmente armazena saltos para os endereços armazenados na GOT. Por isso o GCC gera chamadas para funções da libc assim:
O sufixo @PLT
indica que o endereço do símbolo está na seção PLT. Onde nessa seção há uma instrução jmp
para o endereço que será resolvido em tempo de execução na GOT. Algo parecido com a ilustração abaixo:
Na sintaxe do NASM o equivalente ao uso do sufixo com @
do GAS é a palavra-chave wrt
(With Reference To), conforme exemplo:
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