🥇Introdução

O que é Engenharia Reversa

Em termos amplos, engenharia reversa é o processo de entender como algo funciona através da análise de sua estrutura e de seu comportamento. É uma arte que permite conhecer como um sistema foi pensado ou desenhado sem ter contato com o projeto original.

Não restrinjamos, portanto, a engenharia reversa à tecnologia. Qualquer um que se disponha a analisar algo de forma minuciosa com o objetivo de entender seu funcionamento a partir de seus efeitos ou estrutura está fazendo engenharia reversa. Podemos dizer, por exemplo, que Carl G. Jung (conhecido como o pai da psicologia analítica) foi um grande engenheiro reverso ao introduzir conceitos como o de inconsciente coletivo através da análise do comportamento humano.

No campo militar e em época de guerras é muito comum assegurar que inimigos não tenham acesso às armas avançadas: aviões, tanques e outros dispositivos, pois é importante que adversários não desmontem esses equipamentos, não entendam seu funcionamento e, consequentemente, que não criem versões superiores deles ou encontrem falhas que permitam inutilizá-los com mais facilidade. Na prática, é evitar a engenharia reversa.

Vale a pena assistir ao filme Jogo da Imitação (Imitation Game) que conta a história do criptoanalista inglês Alan Turing, conhecido como o pai da ciência de computação teórica, que quebrou a criptografia da máquina nazista Enigma utilizando engenharia reversa.

Engenharia Reversa de Software

Este livro foca na engenharia reversa de software, ou seja, no processo de entender como uma ou mais partes de um programa funcionam, sem ter acesso a seu código-fonte. Focaremos inicialmente em programas para a plataforma x86 (de 32-bits), rodando sobre o sistema operacional Windows, da Microsoft, mas vários dos conhecimentos expressos aqui podem ser úteis para engenharia reversa de software em outros sistemas operacionais, como o GNU/Linux e até mesmo em outras plataformas, como ARM.

Por que a Engenharia Reversa de Software é possível

Assim como o hardware, o software também pode ser desmontado. De fato, existe uma categoria especial de softwares com esta função chamados de disassemblers, ou desmontadores. Para explicar como isso é possível, primeiro é preciso entender como um programa de computador é criado atualmente. Farei um resumo aqui, mas entenderemos mais a fundo em breve.

A parte do computador que de fato executa os programas é o chamado processador. Nos computadores de mesa (desktops) e laptops atuais, normalmente é possível encontrar processadores fabricados pela Intel ou AMD. Para ser compreendido por um processador, um programa precisa falar sua língua: a linguagem (ou código) de máquina.

Os humanos, em teoria, não falam em linguagem de máquina. Bem, alguns falam, mas isso é outra história. Acontece que para facilitar a criação de programas, algumas boas almas começaram a escrever programas onde humanos escreviam código (instruções para o processador) numa linguagem mais próxima da falada por eles (Inglês no caso). Assim nasceram os primeiros compiladores, que podemos entender como programas que "traduzem" códigos em linguagens como Assembly ou C para código de máquina.

Um programa é então uma série de instruções em código de máquina. Quem consegue olhar pra ele desta forma, consegue entender sua lógica, mesmo sem ter acesso ao código-fonte que o gerou. Isso vale para praticamente qualquer tipo de programa, seja ele criado em linguagens onde a compilação ocorre separada da execução, como C, C++, Pascal, Delphi, Visual Basic, D, Go e até mesmo em linguagens onde a compilação ocorre junto à execução, como Python, Ruby, Perl ou PHP. Lembre-se que o processador só entende código de máquina e para ele não importa qual é o código fonte, ou se a linguagem é compilada(análise e execução separadas) ou interpretada(análise e execução juntas). Então é importante notar que, para o processador poder executar, "tudo tem que acabar em linguagem de máquina". Qualquer um que a conheça será capaz de inferir qual lógica o programa possui. Aliado ao conhecimento do ambiente de execução, é possível inclusive descrever exatamente o que um programa faz e nisto está a arte da engenharia reversa de software que você vai aprender neste livro.

Áreas de aplicação da Engenharia Reversa de Software

Análise de Malware

Naturalmente, os criadores de programas maliciosos não costumam compartilhar seus códigos-fonte com as empresas de segurança de informação. Sendo assim, analistas que trabalham nessas empresas ou mesmo pesquisadores independentes podem lançar mão da engenharia reversa afim de entender como essas ameaças digitais funcionam e então poder criar suas defesas.

Análise de Vulnerabilidade

Alguns bugs encontrados em software podem ser exploráveis por outros programas. Por exemplo, uma falha no componente SMB do Windows permitiu que a NSA desenvolvesse um programa que dava acesso a qualquer computador com o componente exposto na Internet. Para encontrar tal vulnerabilidade, especialistas precisam conhecer sobre engenharia reversa, dentre outras áreas.

Correção de Bugs

Às vezes um software tem um problema e por algum motivo você ou sua empresa não possui mais o código-fonte para repará-lo ou o contrato com o fornecedor que desenvolveu a aplicação foi encerrado. Com engenharia reversa, pode ser possível corrigir tal problema.

Mudança e Adição de Recursos

Mesmo sem ter o código-fonte, é possível também alterar a maneira como um programa se comporta. Por exemplo, um programa que salva suas configurações num diretório específico pode ser instruído a salvá-las num compartilhamento de rede.

Adicionar um recurso é, em geral, trabalhoso, mas possível.

(Anti-)pirataria

Software proprietário costuma vir protegido contra pirataria. Você já deve ter visto programas que pedem número de série, chave de registro, etc. Com engenharia reversa, os chamados crackers são capazes de quebrar essas proteções. Por outro lado, saber como isso é feito é útil para programadores protegerem melhor seus programas.

Reimplementação de Software e Protocolos

Um bom exemplo de uso da engenharia reversa é o caso da equipe que desenvolve o LibreOffice: mesmo sem ter acesso ao código fonte, eles precisam entender como o Microsoft Office funciona, a fim de que os documentos criados nos dois produtos sejam compatíveis. Outros bons exemplos incluem:

  • o Wine, capaz de rodar programas feitos para Windows no GNU/Linux;

  • o Samba que permite que o GNU/Linux apareça e interaja em redes Windows;

  • o Pidgin que conecta numa série de protocolos de mensagem instantânea;

  • e até um sistema operacional inteiro chamado ReactOS, que lhe permite executar seus aplicativos e drivers favoritos do Windows em um ambiente de código aberto e gratuito.

Todos estes são exemplos de implementações em software livre, que tiveram de ser criadas a partir da engenharia reversa feita em programas e/ou protocolos de rede proprietários.

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